terça-feira, 21 de outubro de 2014

ÚMIDA


 

 

Farfalham nas rachas da ilha
línguas ásperas

vento sul

        – alado centauro –

entre coxas de sereias órfãs

Maresia
poeira salgada nos cílios
corte na lamina dos lábios

gozo entre versos
e um sol perdido
no horizonte das dúvidas
de ser o sexo das putas
o melhor berço
para um segredo 

:o cansaço

  

Mar

   – orgia divina –

desafogo do escroto

Murmúrio
açoite das ondas
nas carnes, nas bundas
dos que de quatro vasculham
a ira do Mundo

 Estranha rocha
estrangeira
trazida de além mar


Seu nome de batismo

sustenta as preces

sob a carne crua

  

Sustenta a paz dos escombros

do rombo

no jazido das encostas

que recebe afetos

do que late 

        e engorda

e geme

para ser feliz.

 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Caranguejo Neles!

           Jorge Elias Neto

Para aqueles que concordam comigo sobre o desmoronamento das relações interpessoais, a falta de integração da família, oriunda do advento das mídias portáteis, que fazem de um SELF (tradução: Sou ELinda(o) na Foto) uma falsa mensagem de confraternização, segue a ideia que me ocorreu após uma conversa com o Tommasi, mentor do motor a álcool,  ídolo de muitos, nos anos oitenta, nas corridas de Kart e Stock car: reunir a família para comer caranguejo.
Surpresos...!?
O que um ser primitivo, o famoso uçá – como chamavam os indios antes de Cabral -, com sua armadura pré-histórica, acostumado a andar de lado, pode, contra a tecnologia das mídias, dos tabletsipod,ipadzap-zaps e facebooks da vida?... Simples, meu caro Watson: alguém consegue comer caranguejoou siri sem sujar as mãos?
Amigos, o hábito faz o monge. Façam como o Tommasi: acostumem seus filhos, desde pequenos, a fazer parte do grupo dos fanáticos por caranguejo. Digo isso por pensar que comer caranguejo não é coisa para glutão ou gourmet. Comer caranguejo é um ritual. Leva horas em torno da mesa. E, quando acaba, após deixar uma verdadeira montanha de restos de cascas empilhadas, já não se sabe se a satisfação decorre da plenitude gástrica ou do prazeroso, e necessário bate-papo... Arrisco dizer ser desnecessário fazer uma opção, já que as duas alternativas são complementares e indissociáveis. Mesmo aqueles mais preconceituosos, que resistem a destrinchar o artrópode com o famoso “martelinho” de madeira, não conseguem resistir a uma bela puã com vinagrete.
Capixabas, conclamo a todos ― e vejo nisso um ganho suplementar em favor da preservação de nossos manguezais, pois sem eles não existe siri nem caranguejo ― a cultuar a caranguejada em família.
Alguém consegue imaginar, por mais fanático que seja, uma pessoa que, com a mão suja de caranguejo, consiga ficar com os dedos convulsivos tateando a tela de um celular? Ou alguém que ouse alternar uma pata de caranguejo com uma “partidinha” no tablet?
E digo mais: sejamos inflexíveis. Nada de deixar uma toalhinha com álcool à disposição dos compulsivos-obsessivos de plantão. Eles que aprendam a ter autocontrole. Afinal, comercaranguejo é terapia ― terapia de grupo.
Tem até um mantra... O som característico que se produz quando se busca, no fundo das patas, sugando com avidez, a porção mais temperada do petisco.
Não esqueçam: não se come caranguejo sem sujar as mãos. E isso é um artificio inteligente para aqueles que percebem a complexidade do momento atual e a verdadeira falácia que são as relações travadas virtualmente. Cumpramos com nosso papel contra o distanciamento entre as pessoas - sejamos pró-ativos. Como já disse em uma crônica anterior : fiquemos atentos à síndrome da pseudopresença (o estar não estando).

Por isso digo: caranguejo neles.